“Que tolice! Ensinar coisas inúteis, quando o tempo nos é avaramente medido”.
(Sêneca).
E quantas coisas inúteis fazemos. A começar pelas aulas. Vejamos: os professores de química querendo que os meninos aprendam sobre átomos e moléculas, quando eles estão buscando compreender outras “ligações” que não as covalentes, muito mais interessantes a serem feitas. Os professores de história explicando a importância da Via Ápia, quando o que interessa é saber qual o caminho mais curto entre a sua casa e o shoping. Os professores de matemática ensinando equações, vetores, forças, incógnitas quando para eles o único X que importa é o de Matrix ou do X-Man. Nas ciências, os professores ainda não entenderam que o crescimento das sementes, os fenômenos físico-químicos da digestão e a fotossíntese são tão interessantes quanto uma salada de chuchu, que o que importa mesmo é o que está ocorrendo lá no fundo da sala. A geografia querendo despertar o interesse pelo que acontece em Bagdá ou no Nordeste, quando a janela da sala de aula é o horizonte mais distante. Professores de português querem ensinar o gosto pela literatura e a conjugar verbos quando o único verbo que lhes interessa é o verbo ficar. Os professores de educação física, os únicos que estão no caminho certo, pois os jovens adoram a física dos corpos. Os coordenadores conversando com cada um, com a mesma paciência, na esperança de que eles acatem seus “sábios e bondosos conselhos”.
Viram como “somos inútil”.
Mas... Mas... Também sabemos que nossos alunos podem aprender química, história, matemática, ciências, geografia, português, física em qualquer escola – e quando quiserem. Sabemos também que eles não se preocupam apenas com futilidades, que estão vivendo o tempo deles. E se o tempo deles é de shoping, de ficar, de muita balada, é também um tempo de terrorismo, de seqüestro-relâmpago, de insegurança e incertezas. Cabe a nós, professores, conscientes disso, darmos a eles algo mais.
Por isso, os professores de química falam não apenas de átomos e moléculas, mas mostram que as ligações mais importantes são aquelas que não são vistas a olho nu; que não existe uma fórmula para o amor, mas os componentes aí estão, compete a cada um de nós “misturá-los” para sentirmos o seu agradável perfume; que mais importante que as reações químicas são as ações humanas. Os professores de história ensinam que a ignorância é o caminho mais curto para qualquer lugar, mas que o caminho do conhecimento é longo e tortuoso; que o mesmo país que gerou um energúmeno como G. W. Bush, também gerou um Thoreau. No século XIX, esse “avô dos hippes” foi preso por se recusar a pagar imposto para sustentar uma guerra civil. Escreveu um ensaio chamado Desobediência Civil no qual propõem a resistência aos governos injustos e que influenciou homens como Ghandi. Os professores de exatas ensinam que somar, dividir, multiplicar, diminuir não são apenas operações matemáticas, mas formas de nos relacionarmos com as coisas e com o mundo. Assim, como na parábola dos talentos, não devemos enterrar os dons que Deus no deu, mas multiplicá-los; que devemos dividir não apenas o que temos em excesso, mas também o pouco que temos; que “a alegria é a prova dos nove” e que “o resto é sempre maior que o principal”; que a maior incógnita não é a morte, mas a vida; que se eu somar erros o resultado será sempre negativo, mas somando erros e acertos eu poderei ter um número positivo. Os professores de ciências mostram que o maior de todos os fenômenos é a própria vida – “mesmo que seja uma vida como esta, Severina”. A geografia mostra a eles que mais importante e difícil que conhecer outros países é conhecer a si mesmos. Nas aulas de língua portuguesa e literatura eles aprendem que não importa a conjugação do verbo ficar, mas os seus complementos; que a poesia esta aí, basta “ouvir o rio correr”. Nas aulas de educação física eles descobrem o que os gregos antigos já sabiam: mente e corpo devem estar em equilíbrio. Os coordenadores fazem aquilo que só os pais são capazes de fazer: multiplicar o seu amor incondicional para os seus filhos, sem distinção, pois “qual o pai que dá uma pedra ao filho que lhe pede pão?”.
Preferimos ensinar coisas inúteis aos nossos alunos. Coisas que não os tornam mais ricos, ou mais bonitos, ou mais fortes. Ensinamos coisas que os tornam mais inteligentes, mais solidários, mais felizes. Não fazemos o jogo de um mundo pragmático, onde tudo tem que ter um valor imediato, monetário e... descartável. Continuaremos ensinando coisas inúteis. Só assim garantiremos aos nossos alunos a “soberania de Ser mais do que Ter”.
por: Edson Nunes Ferrarezi