sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Des - espero.

A negação dá-se na esfera da esperança. De algum modo a esperança tenta usurpar o instante daquilo que lhe é próprio. A propriedade do instante se dá na intensidade do jogo de forças que se estabelece e se hierarquiza no combate perpétuo da valorização hierárquica. Afinal, fugir ao combate é esperar. A esperança é a fuga do combate que se crava nas instantaniedades fluídas que se instauram nos acontecimentos – é desejo de memória, de permanência, de algum resido e de um eu. Amar o acontecimento é viver sem esperança, é jogar-se no jorro do acontecer puro e inocente. Afinal, desesperar é jogar-se na Terra: a única morada. O maior desespero, nesse caso, é afirmar o que há, na sua inelutável vigência. O desespero é a via possível, pois é a vivência da ausência da esperança. Penso que o aguardar é a forma na qual dá-se o desesperar, pois o desespero é a condição fundante da forma que o humano pode tornar-se quando, afundado no instante e na sua indiferença, clama e ama a Terra. Para aquém da esperança há o des-esperar – com um grato sorriso afundar na integridade avassaladora da sagrada constatação: é assim.


Por Marcos Vinícius.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ego

No labirinto de Creta, Teseu se encontrou.

Edson Nunes Ferrarezi

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Sobre o palco e o delírio

Os Nós, o acaso e a escultura de si.

Por Marcos Vinícius Leite.


Correlações: completo e incompleto, concorde e discorde, harmonia e desarmonia, e de todas as coisas, um, e de um, todas as coisas. Heráclito – Frag 10. Diels e Kranz.

Sobre nós e encontros. Um nó. 1 - Conjunto de linhas que se cruzam em determinado espaço-tempo. 2 - Conjunto de constantes químicas que se sobrepõe em um determinado espaço-tempo. 3 - Vidas que se cruzam em um dado espaço-tempo. 4 - Ação de atuações que se sobrepujam configurando-se como espaço-tempo. 5 - Império vigoroso da repetição na atuação das suas infinitas diferenças. 1 - Aleatoriamente endereçadas e esculpidas por mãos que causalmente traçam os encontros desafortunados das linhas, no vigir da tecedura. 2. Incertezas que se cristalizam em um instante formando um ponto de convergência de intenções e necessidades. 3 – Nós que se compuseram e se determinam como ação ininterrupta das atuações. 4 – Milagre da atuação e da re-petição incessante da necessidade, na sua aleatoriedade. Processo ininterrupto de atuação constituidor do tempo e do espaço no sues movimentos. 5- Vigor incessante que faz construí-destruir permanentes.
Na convergência que atua no nó esconde-se a dinamicidade do acaso. Por acaso toma-se o império da necessidade jogada no simples regozijo de si mesma. A necessidade dá-se como o atuar do que vige. A vigência do nó. No nó. Nervura milagrosa dos encontros.
Que se sobrepujam..

A paisagem do encontro. Uma linha, uma equação química, a vida, o outro e a repetição da atuação do que vige. No encontro esculpi-se o nó. No nó torna-se visível o belicoso do encontro daquilo que teima em fazer vigir a vigência do que há. Paradoxo de Heráclito: o uno é múltiplo. A harmonia é o combate. Por combate toma-se o encontro que realiza-se como nó. A condição ética do encontro: afirmar o acaso no nó do encontro: da linha, da química, da vida, do outro e da repetição do que teima e faz vigir o que há.

“Tudo se faz por contraste; da luta (polémos) dos contrários nasce a mais bela harmonia” Heráclito.

Eles não compreendem como, separando-se, podem harmonizar-se: harmonia de forças contrárias, como o arco e a lira. Heráclito.

No nó dá-se a harmonia. Tensões que se sobrepõe e mantém tenso o laço. A tensão do laço como a expressão do acaso que afirma a necessidade da configuração belicosa

O nó e a impermanência. O nó das linhas se mantém na tensão da não separação. O nó exige a convergência das necessidades na fundação do espaço-tempo que brota do encontro da dinamicidade da afirmação belicosa. Ponto de interseção onde afirma-se a passagem das forças que atuam na necessidade da sua vigência. Como a belicosidade é a configuração do que vige o nó é o modo de ser da atuação do vigir. A cada instante um nó se joga e se estabelece no grande ano do acaso. Por acaso toma-se não a ausência de ordem, mas o império da afirmação da irrestrita necessidade.

Nó, laço, parte mais rija da madeira. Articulação dos dedos. Do lat. nõdus.


Sobre o palco e a emergência do nó.


O tosco: o que pode o tosco? Pode o tosco ultrapassar o mar? Pode o tosco engalfinhar-se em si mesmo? Pode o tosco livrar-se daquilo que não é seu? Pode o tosco diante de convite desejar boas vindas? Pode o tosco corrigir a si mesmo? Pode o tosco desejar a luz e se ver vestido de branco, uivando na lua cheia? Pode o tosco, em um sonoro riso, afirmar a si e a capacidade de dizer a si o sim que lhe é devido? Pode o tosco em um salto desafortunado olhar para trás e dizer um assim eu quis – afirmando a eternidade do tudo de novo e mais outra vez? Quanto de solidão há no tosco, que distante dos limites ousa desembainhar-se de si mesmo! A solidão do tosco é a sua fortuna. Fortuna de transitar em um delicioso amor de si. O encantamento do eu não é capaz de garantir as fronteiras eternamente, pois distante do que impera, paira um voraz outro que exige a instauração de mundos e coisas outras. Como pode o tosco almejar ultrapassar os castelos de arreia da hierarquia vigente e ultrapassada do eu? A todo instante o tosco depara-se com o organizado. Um antigo caos que se afirmou como ordem. Para aquém da ordem do eu afirma-se o tosco. O tosco e sua candura e sua ingenuidade. A ingenuidade do tosco é a afirmação pura da sua necessidade. O que pode o velho hábito da linguagem diante do vigor do tosco? O que pode o velho hábito da moral que institui o eu diante do tosco? Poderá algum dia o tosco nos livrar daquilo que nos tornamos? Ou sucumbiremos ao velho e inveterado hábito de considerar a conservação da memória o único critério a partir do qual possamos dizer que vivemos e ainda ansiamos? Quanto de cristalização suportamos diante das exigências de mesmidade, emanadas dos urros da identidade? Que o tosco retorne, do seu distante lar, para livrar-nos do mim o do eu mesmo.

O tosco no palco.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O intruso e o reino Azulado



O intruso e o reino Azulado



(Conto infantil, por Júlia Ferreira)


“As idéias nascem puras, neutras. O homem lhes dá vida, força, vigor. E projeta suas faíscas, suas loucuras. É aí que se consuma a passagem da lógica à epilepsia. É assim que surgem as mitologias, as doutrinas, as farsas sangrentas; momentos de intolerância ou proselitismo que revelam as profundezas do entusiasmo”. (Breviário de decomposição, E.M. Cioran, Rio de Janeiro, 1989)


“... do meu ponto de vista essa produção se deu de modo experimental.” (M.V. L. em 06/12/2011)




Em uma terra distante, havia um reino azulado.
E nele um castelo. Não castelo de areia. Castelo de pedras – MEDIEVAL. Cercado por muralhas intransponíveis e porta de carvalho inglês.

Ali, habitava uma menina o alto de uma torre de onde tudo se vê.

Em cima deste reino (e não encima dele) pairava o Azul a tonalizar a vida.

Colorindo os traços dos planos.
Colorindo o revelar do toque .
Colorindo o amor que lhe permite ser Azul.

Do lado de dentro do castelo do reino azulado tudo era único e pleno - não havia segredos ou senhas. Um único canto a ser entoado.
E a menina que habita a torre de onde tudo se vê circulava pelo reino tocando e atravessando o Azul. Seu canto era ouvido nos mais longínquos cantos da terra.

Eles, a menina e o Azul compõem uma única força que mantém o devir da existência ... no castelo do reino azulado.

Ocorre que...

Um dia
Surgiu um intruso que, ao passar perto do reino e ver o brilho do Azul, encantou-se. Precisava daquele brilho para produzir algo de si. (não sabia produzir só em sua mediocridade)

Era um bordador de cabelos ralos.
E o bordador, encantado, desejou ter um pouco do Azul para si ignorando tudo aquilo que via: o Azul que o encantava só era supremo porque brilhava sobre o castelo da menina que habitava a torre de onde tudo se vê.

Mas o bordador de cabelos ralos colocou-se de plantão frente à porta de carvalho e gritou tão alto e dolorosamente que a menina na torre de onde tudo se vê, voltou seu olhar para aquele devaneio.

E o bordador prostrou-se perante a porta e aranhou o carvalho até arrancar as unhas e sangrar as pontas dos dedos.
A menina, assistia a tudo da torre, curiosamente...
E o Azul continuava a brilhar. As chagas e o expor do bordador de cabelos ralos não lhe diziam respeito.

Num outro dia,

O bordador, já sem dedos, teve a brilhante ideia de escrever cartas e enfiá-las pelas frestas da porta de carvalho. Nas cartas implorava ao Azul um pouco de tonalidade. Não sabia recolher-se ao silêncio, gostava de fazer diabruras.

A menina assustou-se porque não sabia que havia frestas no carvalho da porta. E o Azul não entendeu como um bordador pode ignorar a compreensão estética de seu brilho, teimando, na superficialidade de seu intelecto, em interpretar tudo psicologicamente.

Reconheceu o Azul o grande equívoco de suas trocas. Como compartilhar com alguém cuja maturidade ainda é larva? O experimento faliu.

E as cartas entravam e sujavam o pátio do castelo.
E ao ver a sujeira a se acumular, a menina, indignada, desceu da torre de onde tudo se vê e abriu a porta de carvalho.
Deparou-se então, frente a frente com o bordador de cabelos ralos. Era um guerreiro velho, frágil, carente, meio louco. Precisava ser visto a qualquer custo. Sacudia-se e falava alto. Estava nu na frente da menina, já não tinha dedos e chorava de angústia e raiva.

A menina ao vê-lo nu deixou rolar uma lágrima e ...

Sentiu compaixão:

Como pode um bordador que já atravessou os tempos acreditar que o Azul lhe coloriria?
O que arrebata o colorido azulado é justamente a história por se fazer.

Sentiu compaixão:

Como pode o bordador, na decrepitude adiantada de seu corpo, desejar o toque azulado?
O que arrebata o Azul é justamente o frescor da beleza em ascensão.

Sentiu compaixão:

Como pode um bordador que já vivera tantas eras ainda manter-se tão imaturo e leviano?

Pobre bordador!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Depois que caiu sua única lágrima, a menina recuperou-se de sua compaixão indesejada, fechou a porta de carvalho e tampou todas as frestas com âmbar.
Virou-se
Não haveria mais lixo no pátio de seu castelo.

O bordador de cabelos ralos, e agora nu e sem dedos, quebrou todos os copos da cristaleira, arrancou os últimos fios e recolheu-se ao silêncio do lixo.

O Azul, que vira as conseqüências de suas brincadeiras, finalmente entendera que seu brilho não deve ser aspergido em qualquer direção. Pode ofuscar a compreensão dos fracos e dos loucos.

E o reino continuou coberto pelo Azul a tonalizar a menina que habita a torre de onde tudo se vê.