segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sobre a gratidão

Do lat. Gratus. Grato é o estado de graça. A graça é um receber. Em todo receber existe o recebido, o doado e o ocorrido. O doado sustenta-se em um lá, um forasteiro que vem de longe. No doado vislumbra-se a face do doador. O doador vem ao encontro quando o doado encontra-se na graça do recebido. O encontro do doado dá-se no recebido. O recebido é um aqui, que em um modo dado, dispõe a graça. Na celebração da graça encontra-se o doador, o doado e o recebido. O nome deste é o ocorrido. No ocorrido celebra-se as saturnais do viver, quando na graça celebra-se a gratidão. A gratidão é o amor sereno e tranqüilo ao que brota no ocorrido. Enquanto houver sol, sempre haverá o abrigo da luz.

Por Marcos Vinícius.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Para o Hugo e o Francisco – amigos de debate.

Qual é a duração do êxtase do belo? Pode o belo durar além da beleza e na injustiça? O êxtase do belo emerge no encontro com a beleza. Se considerarmos que a duração vincula-se ao encontro, a retirada do sujeito do humor específico roubar-lhe-ia a duração do belo no vislumbre da beleza. Portanto, se o estado de afetação dos sujeitos é a condição para a plenitude do belo no seu encontro com a beleza, qualquer alteração que o suspenda, trará consigo a fuga do belo. Assim, caro amigo Hugo, quanto diante da beleza, resguarde-se do contato com outros modos de afetação, pois os mesmos lhe retiraram a experiência de espanto e gratificação inerente aos fenômenos da beleza. Assim, melhor seria, para a fruição do belo, que não estivéssemos sujeitos às injustiças, que a meu ver, são as maiores responsáveis pela cegueira que se instalou no meio de nós. Suspeito que no humor advindo da injustiça o belo tornar-se-ia impossível, a menos que a maior beleza seja a revolta?

Por Marcos Vinícius.

sábado, 19 de setembro de 2009

Sobre o deixar.


O deixar é um abandonar, um soltar, um desligar. Abandonar é demorar-se em. No abandono encontra-se o estar. O Abandonado entrelaça-se com a ocorrência, cavalga no seu dorso. A vivência da ocorrência dá-se na compreensão da exuberância. Na exuberância habita o aconchego do estar. Ao mesmo tempo em que o deixar retira, loca na exuberância da ocorrência a tensão do estar. Neste estado de humor reside o vivo. No deixar celebramos o estar junto com fins a abandonar. Pode o mundo das relações sociais, pode o jogo pueril cósmico, pode as nossas esperanças, pode a certeza da morte e do NADA invalidarem o estado de humor da vivência da ocorrência no estar? A filosofia do experimentar contraria a sentença racional de que só faz sentido se todo ocorrência o fizer, porém não é suficiente o deixar, o abandonar, o soltar? Na brutalidade do instante reside a essência do abandonar. Entreter-se na celebração da exuberância é o antídoto contra as exigências de sentido aneladas pela razão. Não seria a razão um impedimento para a fruição da ocorrência? Pode a razão deleitar-se com o sem sentido, ou deveríamos no reeducar para nele abandonarmo-nos?

Recolhido, alguém, já reparou o repolho – Brassica oleracea?

Por Marcos Vinícius.

sábado, 12 de setembro de 2009

Sobre ao mesmo tempo agora.

Ao mesmo tempo agora é o signo de uma crise, de uma dor. É um retrato da angústia que ronda o humano no momento da descoberta de si, no seu inalienável abandono, desamparo e desespero. Por signo compreende-se o esforço de se fazer representar as condições ontológicas nas quais nos encontramos. No espelho, nos descobrimos velhos, jovens, apressados ou ansiosos, nos vemos como somos no olhar objetificador do si mesmo. A ausência de sentido, de sustentação de si na e pela estrita solidão revela-nos a necessidade do encontro, da busca de um outro para estabelecer a nossa diferença. Nela encontro a minha subjetividade, lançada como um projeto em um presente sempre aberto e aterrador. Na descoberta do outro reside a possibilidade de encontrar a si mesmo e de sair da resposta vazia do si para si mesmo revelada na solidão, porém o encontro com o outro, seja no trabalho, seja no amor, revela-nos como reféns, como seres de acordos e contratos, que na sua rotineira presença, forçam-nos a fuga do si mesmo. A angústia acaba por se revelar não apenas na estreiteza da solidão, mas na busca de um outro. Afinal, estamos ininterruptamente submetidos ao sem sentido, que se revela na busca de se encontrar um eu, que estruturaria a fugacidade e nulidade do estar no mundo junto aos objetos, aos outros e as coisas. Enfim, somos supérfluos. As coisas mais banais têm mais plausibilidade, pois apenas permitem-se ser. A descoberta da nulidade choca-se com a constatação da liberdade. Por liberdade compreende-se a abertura mesma dos possíveis que nos rondam a todo instante. Acaba por ser compreendida como um pro-jeto, um lançar-se em direção, mesmo que não conscientemente deliberado. Jean, a personagem de Ao mesmo tempo, descobre-se, inalienavelmente, condenada à liberdade. Porém, a descoberta da liberdade não anula o vazio e a angústia mesma de habitar o SER o NADA. O trabalho de Jean, o seu esforço na sala de aula, o seu diálogo com seus alunos, com os seus amigos e com a sua quase namorada não consegue desfazer a sensação de nulidade, abandono e desespero. Na cena final, imerso na impossibilidade da afirmação plena de seu ser, na descoberta da nulidade de qualquer decisão diante da certeza da morte e do nada, emerge o choro, a expressão da dor e desespero do existir: afinal, tudo é vão. Não seria a morte a solução? A antecipação do destino, do fim para o qual caminha toda a vida, seria a derradeira saída? Para o autor, nos olhos da criança reside a esperança, pois “toda dor passa”. A cura é a descoberta da transitoriedade do humor, e da exuberante experiência do ser estar lançado e entrecruzado pelo que passa. A cura é ver-se no tempo, é ser tempo.

Para o amigo e filósofo, Fábio Luis de Almeida Leite, por ter tido a coragem de lutar, com os olhos abertos e a mente atenta, com o absurdo que nos ronda. Afinal, ser ou não ser? Eis a questão.

Por Marcos Vinícius.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O ver.

Sobre o ver. A metáfora grega predileta é a da visão. No ver distingui-se o que aparece do aparecido; o quem, uma espécie de para aonde o aparecer aparece, do quê, aquilo que se revela quando emerge aparecendo e a condição geral do aparecer das emergências singulares. Quatro são as questões presentes no ver: o que vem a superfície; o estatuto daquele que colhe a superfície e a condição mesma do emergir e colher, bem como, a diferença entre o aparecer e o colher de um aparecer específico. A palavra utilizada para esta relação foi alhéteia, traduzida, pelo vocábulo, abusivamente gasto, verdade. Caso tenhamos o interesse em vislumbrar a essência da verdade deveríamos navegar nas dobras e labirintos que cercam a condição que mantém a racionalidade do ver. Primeira distinção: aquilo que se revela, revela-se na sua totalidade, ou se oculta ao mesmo tempo em que se revela? A tensão derradeira reside na problemática do tempo, pois o revelar emerge em um dado espaço e tempo, que escapa e ininterruptamente foge. Penso que a metáfora ideal seria o relampejar. O relampejar emerge e foge. Um recolher-se, um retorno. O assombro reside aí. A precisão grega é tal que, para a compreensão deste evento, distinguiu-se o que ocorre daquilo que é a condição da ocorrência, mais não se confunde com a mesma, pois ultrapassa a singularidade específica do evento. A diferença entre a ocorrência é a sua condição fica latente no espaço de apreciação no qual dá-se o ver. Assim, o visto remete para algo que é a sua condição, porém mantém-se oculto. As nossas precisões soam pueris! Afinal, o que ocorre quando vejo? Que densidade revela-se. Embora, o dizer pretenda a verdade.

Marcos Vinícius.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A preguiça


Aversão ao trabalho. Do lat. Pigritia -ae. Voa preguiça, enche de ar os meus pulmões, com o seu hálito lento e bondoso. Me dê o tempo, me dê o instante, me faça fugir do amanhã e do ontem. Permita-me ser para poder ver a exuberância do acanhamento das dobras da aparência do real. Voa preguiça, enche de luz os meus olhos para que possam deslizar na bruma da ocorrência. Voa preguiça, para longe do sucesso e da rapidez da lógica, nos seus se e então. Voa preguiça, enche de amor o meu peito para que possa amar o distante e me deleitar no próximo. Voa preguiça, empurra com seu sopro a labuta do trabalho, a sua rotina, a sua mentira, que nos engana com o preencher das horas, no seu culto à eficiência e ao cronômetro. Preguiça, eis a minha amada, o meu porto seguro, a pátria dos lentos – dos que sofrem por não viverem o agora.

Aversão: contraposição a algo, em nome de um estado, ação ou ideia.

Marcos Vinícius.