O MENINO É O PAI DO HOMEM (Machado de Assis e Marilena Chaui)
De acordo a mitologia grega, Cronos, cujo nome significa "o Tempo" era filho de Urano, o Céu, e de Gaia, a Terra. Era casado com Réia. Ocupou o trono do pai, mas Gaia profetizou que Cronos seria destronado por um filho; assim, ele devorava os filhos logo que nasciam; mas quando nasceu Zeus (deus dos raios, trovões e tempestades), Réia deu a Cronos uma pedra envolta em cueiros, salvando assim o filho. O menino cresceu numa caverna da ilha de Creta. Em um ano tomou-se o mais forte dos deuses e destronou o pai, ocupando seu lugar.
No século XIX, Karl Marx, afirmou em uma de suas obras que o mito de Zeus não mais poderia funcionar numa sociedade que inventou o pára-raios, isto é, descobriu cientificamente a eletricidade. Mas o próprio Marx mostrou como tal sociedade cria novos mitos, adaptados à era da máquina e da tecnologia.
Em seguida, já no início do século XX, Freud mostrou que o homem sofreu três grandes feridas em seu narcisismo, durante a modernidade
A primeira foi a que nos infligiu Copérnico, ao provar que a terra não estava no centro do Universo e que os homens não eram o centro do mundo. A segunda foi causada por Darwin, ao provar que os homens descendem de um primata, que são apenas um elo na evolução das espécies e não seres especiais, criados por Deus para dominar a Natureza. A terceira foi causada pela psicanálise, ao mostrar que a consciência é a menor parte e mais fraca de nossa vida. De acordo com Freud, nosso aparelho psíquico é constituído por três instâncias: o ID, que são os instintos e impulsos orgânicos e desejos inconscientes; o SUPEREGO, que são as censuras e as regras morais que a sociedade e a cultura impõem ao Id. Tanto o Id quanto o superego são inconscientes. Já o EGO ou EU, terceira parte de nossa estrutura psíquica, seria a consciência, -submetida aos desejos do Id e a repressão do superego. O Ego, diz Freud é um "pobre coitado", espremido entre três escravidões: os desejos insaciáveis do Id, a severidade repressiva do superego e os perigos do mundo exterior.
Caminhando um pouco mais no tempo e no espaço, em 1928, no Brasil, Oswald de Andrade lança, em maio de 1928, o Movimento Antropofágico. Oswald valeu-se da antropofagia como metáfora do que deveria ser culturalmente repudiado, assimilado e superado para que alcançássemos uma verdadeira independência cultural. Ele desenvolveu filosoficamente o conceito de antropofagia. Num trocadilho, explicava que o ócio a que todo homem tinha direito fora desapropriado pelos poderosos e se perdera entre o sacerdócio (ócio sagrado) e o negócio (negação do ócio) Para recuperá-lo, propunha a volta ao primitivismo indígena livre das repressões da sociedade civilizada. Contra a cultura messiânica fundada na autoridade paterna, ma propriedade privada e no Estado, pregava a sociedade matriarcal sem classes que surgira do progresso tecnológico.
O que há em comum entre autores tão díspares no tempo e no espaço?
Três coisas os ligam: a relação entre mito e ciência, a questão do tempo e o papel do pai.
Sobre a relação mito/ciência, hoje sabe-se que o mito não é, como se pensou durante muito tempo, um pensamento pré-científico, mas uma linguagem simbólica para explicar o mundo. Não é por acaso que Freud foi buscar na mitologia os termos hoje consagrados pela psicanálise.
Relacionando o mito de Cronos e Zeus com a história de "POR QUE ALMOCEI MEU PAI" podemos compreender um pouco melhor o pensamento mítico, a questão do tempo e o papel do Pai primordial.
Tanto do ponto de vista mítico quanto psicanalítico a história de Cronos é muito expressiva. Cronos, como vimos, é o tempo. O tempo nos cria, o tempo nos mata. É preciso "vencer" o tempo antes que ele nos "mate". Talvez por isso, Edward, o homem macaco tenha tanta pressa.
Mas, quanto mais rápido evoluímos, menos tempo temos. Perdemos contato com nossos impulsos primordiais e nossos instintos naturais não encontram satisfação. Assim, o cenário para o Pai, o superego, guardião da cultura e da civilização, está pronto (Nesse sentido é interessante ver as criticas que Tio Vanya faz a Edward logo no primeiro capítulo do livro.)
É sintomático que Edward, nosso pai primordial, nunca fica parado, ele nega o ócio. Quando está quieto, está "matutando" como acelerar a evolução. Apesar de Edward ter um filho caçador chamado Oswald, dificilmente ele e Oswald de Andrade compartilhariam o mesmo pernil de zebra ou um omelete de ovos de avestruz.
O desejo de Edward de chegar rapidamente ao Homo sapiens é o mesmo desejo que tem o homem contemporâneo de chegar rapidamente ao futuro. Mas há uma diferença fundamental; Edward sabia onde queria chegar, nós estamos correndo rapidamente para o futuro (matamos Cronos a todo instante) mas não sabemos onde queremos chegar.
"Procurem deixar um mundo um pouco melhor' do que o encontraram e dêem a seus filhos um começo um pouco melhor do o que de vocês.”
Se quisermos atender ao apelo final de Edward temos que recuperar o ócio primordial, aquele que nos permite filosofar ou simplesmente divagar. Temos que parar de matar Cronos. Como? No encontro do homem consigo mesmo, no presente.
Cada homem deve viver o momento presente como se ele fosse eterno, ou como queria Nietzsche, como se ele fosse retomar infinitamente.
É impossível refazer o passado e o futuro é o que ainda não existe, portanto, só temos o presente.
O resto é saudade ou pré-ocupação.
domingo, 11 de setembro de 2011
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