segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Na aurora do avizinhar-se. Contra o pessimismo da necrópole e seu hálito pestilento.

“A morte de um modo, não é A morte”.

“Temos que novamente nos tornar vizinhos das coisas mais próximas e não menospreza-las como até agora fizemos, erguendo o olhar para nuvens e monstros noturnos”. Nietzsche, F. § 16 – HDH II. Pg., 174


O apelo da fala de Nietzsche exige uma resposta e uma certeza diante do nós a que se refere, pois o sujeito conclamado da ação futura remete para um quem. O quem se refere na escrita de Nietzsche a um nós que se construiu a partir de uma hierarquia de valores específica – em uma forma tipo homem.

A fala exige também, que, novamente, dever-se-ia re-instituir a aproximação ausente em função de um dado destino, expresso em orientações específicas de forças. Um possível, uma aurora que já se realizou outrora - nos tornarmo-nos vizinhos das coisas mais próximas. As coisas mais próximas serão os objetos? Ou, os nossos próprios estados, ou melhor, estados que nos tornam, no seu estabelecimento, capazes de nos abrir como próximos ou distantes, como fronteiriços. Delimitação da fronteira: o que está à frente.

Por vizinho é comum tomar o que está ou mora perto. A questão da distância, do limite e da fronteira marcam, assim, a compreensão do sentido do avizinhar-se. Está perto não é submeter ao puro estado do que se aproxima, como também, não é confundir-se com o que estava distante. Morar perto é um aproximar-se, um simpatizar. De alguma maneira, o morar determina-se por um abrigar. O abrigo é um receber. Avizinhar-se é abrigar pela simpatia o que está próximo. O que mais próximo de nós está é o próprio. O limite determina a condição de fronteira entre o estar e estar próximo. Assim, o avizinhar-se determina-se por uma atenção que desperta-se com o próximo. O limite garante a sujeição integral, porém parcial, não total, daí o seu caráter de fronteira: permanecer em, sem se confundir com.

Logo, por avizinhar-se toma-se o aproximar-se de algo, no nosso caso, o próprio. O próprio, o que diz imediatamente respeito. Imediatamente é o que emerge. O próprio é o emergente. O emergente propõe-se como exigência. O que exige é o vigorar. Avizinhar-se é submeter-se ao que imediatamente vigora.

Aproximar-se determina-se pelo limite. No limite reside a fronteira entre a sujeição pura e o aproximar-se. A fronteira é a condição do avizinhar-se. Neste caso, no avizinhar-se encontra-se o limite, o próprio e a fronteira. Avizinhar-se no estado é expressá-lo. Pensar o corpo como um avizinhar-se, tomá-lo como modos de atuação que se projetam, como estados permanentes de vigoração.

Afetado pela questão dá-se o questionamento, longe de uma pureza qualquer o estado mesmo é de des-subjetivação, pois há um des-locamento de um estado primeiro, para um estado segundo, que, em um primeiro momento, dá-se como um aguardar e um receber. A abertura no aguardar dá-sé como uma espera. Nomeia-se a espera como atenção, algo, que determinará, irá irromper como vigorando. Des-subjetivar é o estatuto da experiência.

É uma pura ilusão confundir o estado de atenção como uma ausência de corpo. As várias tensões perpassam. Tomamos o corpo como um conceito que remete para um agrupamento permanente de sujeições. Agora, determina-se como olhar, agora como tatear, agora como sentir, agora como pensar. Em todos os modos um querer. Toma-se o querer por um impor-se, um vigorar. Assim, avizinhar-se ao que é próximo é desdobrar-se como vontade de poder.

Longe de propor a sujeição a algum estado interior, temos que o avizinhar-se exige o vínculo com o próximo, porém, em função do limite que instaura uma fronteira, mantêm-se aberta a dinâmica do sentir. Na sujeição plena perde-se o sentir, pois destitui-se as condições mesmas de percepção dos estados. Porém, a percepção do estado exige-nos que estivéssemos próximos sem nos perder. Parce-nos que o avizinhar garante a des-substantivação contida na própria experiência, sem contudo perder-se na selvageria. Neste momento nos aproximamos do conceito de cultura, pois a forma deverá se aliar a um conteúdo, na linguagem nietzscheana, Apolo e Dionísio compostos em uma tensa harmonia.

O vaticino final de Nietzsche nos lembra dos esforços das avaliações típicas do ocidente em dirigir o seu olhar para os distantes céu e inferno. Quando em direção ao céu, o ser anjo foi esculpido como condição para planar nas alturas, um corpo leve, desencarnado foi exigido. Um corpo ficcional, condição para o pensamento. Por outro lado, quando próximo aos infernais monstros, a carne foi vista como incandescência pura, como fogo que queima e remete para o enxofre do inferno. Avizinhar-se é amar o próximo sem exigi-lo pena ou peso, sem desejos de vôos e rastejo, sem alturas ou incêndios, pois avizinhar-se é manter-se fiel a terra, elevando-a até ao céu.

Por Marcos Vinícius